Aos vinte e poucos anos a gente se enxerga de verdade. Não existe mais monstros debaixo da cama ou bicho papão dentro do armário. A realidade exige a lucidez e quando nos damos conta a vida adulta assusta muito mais. Chovem escolhas, falta roteiro, bula e manual de instrução. Não dá tempo de ensaiar, nos adaptamos ao improviso. E nessa nos garantimos entre altos e baixos. Não dá para programar as quedas, da mesma forma que não dá para deixar o colete salva vidas ao alcance das mãos quando tudo desandar. Acabou o medo de escuro. O que espanta mesmo são as maldades gratuitas que enxergamos no claro. Há que nos espante pela falta de senso de humor ou mesmo de noção. É um Deus nos acuda quando se trata de pessoas e personalidades diferentes. É um querendo ser mais que o outro e senhores da razão não nos faltam. Dá uma saudade de brincar de cabana no quintal, onde tudo fluía de igual pra igual e ninguém se rebelava por bobagens. Crianças são mais felizes. Disso não duvido. Complicam muito menos o que por si só já complicado. Aos vinte e poucos não dá para fazer corpo mole, esconder embaixo da coberta ou fingir que nada incomoda. Você age, se responsabiliza pelas atitudes e paga por todas as suas covardias. Não adianta. Ao menos você tem certeza que ninguém morre de amor, que não existe regra ou caminho pronto; e que perfeição é a maior utopia que já te fizeram acreditar. A vida acontece, te puxa e chacoalha, ou você entra na onda e aproveita para construir sua história ou perde o bonde sonhando com o mundo encantado onde fadas e duendes te trazem as rédeas da sua vida no unicórnio mágico.
Por Marcely Pieroni Gastaldi