A gente se acostuma a morar em
apartamentos de fundos e a não ter outra
vista que não as janelas ao redor.
E, porque não tem vista, logo se
acostuma a não olhar para fora.
E, à medida que se acostuma,
esquece o sol, esquece o ar,
A gente se acostuma a acordar de manhã
sobressaltado porque está na hora.
A tomar o café correndo porque está atrasado.
A comer sanduíche porque não dá para almoçar.
A sair do trabalho porque já é noite.
A cochilar no ônibus porque está cansado.
A gente se acostuma a sorrir
para as pessoas sem receber
um sorriso de volta.
A ser ignorado quando
E a ganhar menos do que precisa.
E a fazer fila para pagar.
E a pagar mais do que as coisas valem.
E deixar que os desejos dos olhos façam
com que compremos além do que necessitamos.
A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes.
A abrir as revistas e ver anúncios.
A ligar a televisão e assistir a comerciais.
A ir ao cinema e engolir publicidade.
A ser instigado, conduzido, desnorteado,
lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição.
Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro.
À luz artificial. Ao choque que os olhos levam na luz natural.
À contaminação da água do mar.
À lenta morte dos rios.
Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada,
a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer.
A gente se acostuma para poupar a vida.
Que aos poucos se gasta, e que,
gasta de tanto acostumar,
se perde de si mesma.