Estou cansada de sentir medo.
E de ouvir sobre o medo dos outros, que paralisa os mercados.
De andar olhando para tudo quanto é lado, suspeitando de todos.
Cansada de viver nessa tensão de cidade.
Cansada de invariavelmente abrir o jornal, site, portal, ligar o rádio ou tevê e em poucos minutos saber de mais um sem número de mulheres mortas em violência doméstica, criancinhas sendo usadas como trapinhos, inclusive sexuais.
Estou cansada do trânsito.
Da perda de tempo.
Da violência nas ruas, com gente se matando e brigando por causa de latarias, buzinas.
Estou cansada de ouvir os números de recordes de trânsito e de ver as faixas pintadas que inventaram, e que me lembram a história de como hipnotizar uma galinha.
Risca o chão e põe o bico dela na faixa.
Estou cansada das deselegâncias.
Da falta de educação e de um mínimo de civilidade.
Da falta de reconhecimento.
Das sacanagens vindas de todos os lados tentando botar a mão no seu bolso para arrancar algum.
Estou cansada da indústria de multas.
Da leniência da Justiça.
Dos juízes que não lêem os processos que julgam, e que decidem - claro, quando querem, num tempo considerável que se deram - com uma canetada a vida de quem tenta se defender de abusos.
Estou cansada dessa absurda e silenciosa alta de preços que todos nós sentimos e que eles negam porque negam quando reclamamos de nossas sacolas vazias, do que cortamos do orçamento, com mãos de tesoura.
Estou cansada da falta de amizade e da incompreensão das coisas mais básicas.
Estou cansada de ver a miséria e a pobreza real, nas ruas, que desaparece nas propagandas oficiais com figurantes risonhos.
Estou cansada de ver ainda existirem tantas tentativas de censura, e de algumas conseguirem sucesso.
De ver triunfar nulidades.
De ver o Brasil pensando no futuro, que nunca chega...
Mas o pior é o súbito cansaço de tudo.
Parece uma fartura, parece que já se teve tudo e que não se quer mais nada.
(Texto adaptado de Clarice Lispector)
