"Mais tarde, naquele mesmo dia, enquanto Rashid continuava tentando sintonizar o rádio, Mariam estava preparando
arroz com espinafre na cozinha.
Lembrava de uma época em que gostava de cozinhar para o marido, aguardando, na maior expectativa, a hora das
refeições. Agora, aquilo era apenas uma tarefa que a deixava ansiosíssima. Seus qurmas estavam sempre salgados
demais ou insossos demais para o gosto de Rashid. O arroz, muito gorduroso ou muito seco, o pão, mole demais ou
tostado demais. Essa mania que ele tinha de achar defeito em tudo a deixava paralisada na cozinha, inteiramente
insegura (...)".
"Rashid fez um bolinho de arroz com a mão. Botou aquilo na boca, mastigou, mastigou e, depois, com uma careta,
cuspiu tudo na sofrah.
— O que houve? — perguntou Mariam, odiando o tom de lamento da própria voz. Podia sentir sua pulsação se
acelerando, sua pele se contraindo.
— O que houve? — repetiu ele, como um miado, imitando-a. — O que houve e que você fez besteira novamente.
— Mas deixei ferver por mais cinco minutos que o habitual.
— Isso e uma mentira deslavada!
— Juro...
Rashid sacudiu o resto de comida das mãos e afastou o prato, derrubando molho e arroz na sofrah. Mariam o viu se
levantar como uma bala, sair da sala, sair da casa batendo a porta. Ajoelhou-se no chão e tentou catar os grãos de arroz
para botá-los de volta no prato, mas suas mãos tremiam tanto que precisou esperar que o tremor melhorasse. O medo
lhe apertava o peito. Tentou respirar fundo algumas vezes. Viu o seu rosto pálido refletido na vidraça e desviou os olhos.
Depois, ouviu a porta da frente se abrindo e Rashid voltando para a sala.
— Levante daí — disse ele. — Levante-se e venha cá.
Então, ele agarrou a sua mão, abriu-a e depositou ali um punhado de pedrinhas.
— Ponha isso na boca.
— O quê?
— Ponha... isso... na... boca.
— Pare, Rashid. Eu...
Com aquelas mãos vigorosas, ele agarrou o seu rosto. Meteu dois dedos em sua boca, obrigando-a a abri-la, e enfiou
ali aquelas pedrinhas duras e frias. Mariam tentou lutar contra aquilo, mas ele continuou a enfiar as pedrinhas em sua
boca com o lábio superior erguido num sorriso de desdém.
— Agora, mastigue — disse ele.
Com a boca cheia de pedras e terra, Mariam tentou balbuciar uma súplica. As lágrimas lhe escorriam pelo canto dos
olhos.
— MASTIGUE! — berrou ele, e aquele hálito de cigarro atingiu em cheio o seu rosto.
E ela mastigou. Lá no fundo de sua boca, alguma coisa estalou.
— Ótimo — disse Rashid. Suas mandíbulas tremiam. — Agora você sabe o gosto do arroz que faz. Agora sabe o que
tem me dado nesse casamento. Comida ruim, e nada mais.
E foi embora deixando Mariam cuspindo pedras, sangue e pedaços de dois molares quebrados".
Comentários 3
Sollua, esse trecho deixou-me indignada, afff. Mas cho.rei qdo a Laila ficou órfã.
Bom dia IsabelCris adorei vc ter postado trecho desse livro assim estimula uma boa leitura, quando o li tbm fiquei assim entre pasma e triste
tenha um bom dia
bjsdiet
Meninas, acho q não tem como não ler um livro como este e ñ manifestar nenhum sentimento, seja tristeza ou revolta. Ao contrário da Bel, este foi o único livro q não consegui ler direto - precisei fazer umas pausas para digerir tanta catástrofe.
Uma linda tarde para todas vcs!
Obgda!
Bjos.