Graça embarcou em um programa de índio.
Ou melhor, de índios: uma estafante viagem de carro, com um irmão e uma sobrinha, de Santa Catarina, território dos kaigangs, até a Paraíba, terra dos tabajaras e potiguaras.
Afinal chegou, cansadíssima, sendo recebida como uma princesa por outra sobrinha e, em especial, pelos gatos da casa.
Eram seis ferinhas, quatro delas apenas coadjuvantes, grande elenco.
Os gatos que se relacionaram com Graça, fazendo-a pagar por seus pecados, chamavam-se Jumbo e Negrita.
Esses eram, claro, os nomes dados por seus escravos.
Em seus miados, eles se chamavam, à nordestina, de “macho véio” e “mulé”.
- Jumbo e Negrita gostaram da senhora, tia
– disse a dona da casa.
– Não param de olhar e roçam as pernas nas suas.
Fez uma conquista!
Os gatos também comentaram.
- Tu achas que ela gostou de nós, macho véio?
- Gostou demais, mulé.
Afinal, somos grandões, bons caçadores, ferozes, podemos guardar bem a casa dela, no sulmaravilha.
Não vai entrar uma cobra que a gente...crau!
– e mudando de assunto:
- Tão bonita... vou chamá-la de princesa!
- Tu já viste alguma princesa, macho véio?
- Vi não, mulé.
Mas sei que chamar de princesa é gentil.
Temos de ser bonzinhos com ela, pra que nos leve pro sulmaravilha.
Que tal dar presentes pra princesa?
- Ótima ideia, macho véio.
No dia seguinte, quando Graça ia tomar banho, Jumbo entrou no banheiro, trazendo uma cobra morta entre os dentes.
Colocou-a aos pés dela e ficou à espera de um carinho de agradecimento.
Mas ouviu um berro que o assustou, enquanto a humana saía correndo do banheiro, enrolada numa toalha, e se trancava no quarto.
- E então?
A princesa gostou do presente, macho véio?
- Gostou não, mulé.
Acho que a cobra era pequena, no sulmaravilha deve ter cobronas maiores que sucuris...
- Agora é minha vez de presentear, macho véio.
Horas depois, refeita do susto, Graça/princesa estava no sofá quando Negrita/mulé entrou, com um sapo na boca, e o colocou aos pés da sulmaravilhista.
Outro berro, outra corrida pro quarto.
Os gatões comentaram, decepcionados:
- Acho que ela não gostou, macho véio...
- Vai ver, os sapos do sulmaravilha também são enormes, maiores que os daqui.
Vamos continuar tentando, se não, a princesa não nos leva pra lá...
- Acho que ela não gosta de bicho morto, macho véio.
- É, pode ser – e Jumbo/macho véio cofiou os bigodes, pensativo.
No dia seguinte, ao acordar, Graça/princesa deparou-se com uma quádrupla visita: Jumbo/macho véio, Negrita/mulé e duas cobras semimortas, que ainda se debatiam entre os dentes das duas ferinhas.
Cobras sem veneno, porque, parafraseando Adoniran Barbosa, os dois era gato, num era tatu.
Mas a princesa não sabia disso.
O berro, dessa vez, superou todos os decibéis, e ela correu até o irmão:
- Vou embora AGORA!
Me leva pro aeroporto!!!
Ao entrar no carro, ela ainda viu, pelo retrovisor, dois gatinhos de expressão triste, que agitavam as patas, em despedida, enquanto faziam lanchinhos das duas cobras, inexplicavelmente rejeitadas pela princesa do sulmaravilha.
CarlWeiss
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