Desde menina aprendi hábitos como “bata antes de abrir” e “ore antes das refeições”. Cumpri esses rituais com exatidão, e sempre respeitei a importância do gesto.
Mais amadurecida, fui cuidando de minhas conquistas até adquirir o primeiro tapete para a sala. Era macio, felpudo, clarinho e aconchegante. Foi tempo então de aprender mais uma regrinha pessoal: “tire os sapatos antes de entrar” (no caso, pisar no tapete). Eu não sugeria o manual a quem viesse me visitar , mas seguia a recomendação comigo mesma, sentindo nos pés a textura daquele tapete reconfortante.
O tempo passou, e me lembrei do tapete algumas vezes, quando tive o coração pisado e doeu.
Doeu como solas de borracha pesadas afundando no solo frágil de minhas emoções. Doeu como o “toc toc” de tamancos enormes batucando cada centímetro da minha alma. Doeu como saltos agulha miseravelmente agudos capazes de afundarem o terreno arenoso da minha existência.
Eu desejava pantufas de algodão e meias alvejadas de carinho, e no entanto sentia meu peito vibrar no compasso brutal que eu permitia ser direcionado a mim.
Aos poucos fui descobrindo que se a gente quer que a pessoa tire os sapatos antes de entrar, a gente tem que falar. A gente tem que vencer as barreiras de constrangimento e se posicionar.
Ninguém, a não ser a gente mesmo, sabe a medida do que lhe faz bem ou faz mal. Só você sabe o que é capaz de lhe causar medo, alegria, dor, contentamento, frustração, esperança. E só você pode definir os limites da linha que divide o respeito do desrespeito por si mesmo.
Só você sabe do que é feito seu terreno e o quanto ele pode suportar.
A gente tem que aprender a se proteger. Esse é um aprendizado que leva tempo, mas nos torna muito mais fortes também.
Se proteger é aprender a pedir para tirarem os sapatos antes de entrar, e não permitir ser pisoteado por calçados pesados, pontiagudos ou muito encardidos.
É ser gentil consigo mesmo, entendendo que nossa alma é como um grande tapete branco felpudo, que merece ser acariciada por pés macios e pantufas carregadas de leveza.
Tem gente que se acostuma a ser pisado com brutalidade. E por almejarem o que é familiar, procuram quem continue lhe pisando sem cuidado nem amor. Recusam o conforto da novidade, para se cercarem da dor conhecida.
Que o amor chegue de mansinho, e peça licença antes de se aproximar.
Que traga alento, e que a gente aprenda a agradecer aos céus quando se apaixonar.
Que seja delicado, e nos ensine a importância de se respeitar.
Que seja bem vindo, mas que tire os sapatos antes de entrar .........
Fabiola Simoes!!